Por que saúde mental deve entrar no radar dos profissionais de SST?
A saúde mental no ambiente de trabalho deixou de ser um tabu corporativo. Dados do Google Trends mostram um crescimento constante nas buscas por termos como burnout, estresse ocupacional, ansiedade no trabalho e depressão laboral nos últimos 5 anos. Esse movimento reflete não apenas um aumento da consciência coletiva, mas também a urgência em repensar os programas de Segurança e Saúde do Trabalho (SST) para incluir os riscos psicossociais.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os transtornos mentais são uma das principais causas de afastamento e incapacidade laboral no mundo. No Brasil, a situação é crítica: de acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab), mais de 215 mil afastamentos foram registrados por transtornos mentais entre 2020 e 2024.
Burnout: A primeira síndrome oficialmente reconhecida como relacionada ao trabalho
Desde janeiro de 2022, o burnout passou a ser oficialmente classificado pela OMS como um fenômeno ocupacional (CID-11 – código QD85). Essa mudança reforça o papel das empresas e dos profissionais de SST na identificação, prevenção e acompanhamento de casos.
Características do burnout:
- Exaustão emocional e física crônica
- Redução da eficácia profissional
- Cinismo ou sentimentos negativos em relação ao trabalho
⚠️ Atenção: o burnout não é apenas “cansaço”. É o colapso progressivo da capacidade de lidar com a rotina laboral.
NR-17 e saúde mental: a ergonomia ampliada
A nova redação da NR-17 (Ergonomia), em vigor desde 2021, ampliou seu escopo para além da ergonomia física e biomecânica, incluindo agora aspectos cognitivos e organizacionais, diretamente ligados à saúde mental.
Principais atualizações relacionadas:
- Avaliação da carga mental de trabalho (nível de atenção, pressão por metas, complexidade das tarefas).
- Identificação de conflitos organizacionais e relações interpessoais adversas.
- Necessidade de considerar a jornada, pausas, ritmos e controles como fatores de risco psicossocial.
🧠 Recomendação técnica: incluir, no Inventário de Riscos do PGR, uma seção dedicada aos riscos psicossociais e de sobrecarga cognitiva, com medidas preventivas como pausas estratégicas e revezamentos.
GRO e PGR: Como integrar a saúde mental no gerenciamento de riscos?
Com a atualização da NR-1, o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o PGR passam a ser instrumentos essenciais para mapear riscos psicossociais, antes negligenciados.
Como fazer isso na prática?
- Mapeamento de fontes de estresse: jornadas excessivas, metas inalcançáveis, assédio moral, ambiguidade de função.
- Avaliação do clima organizacional: por meio de entrevistas, questionários (como o SRQ-20 ou Job Stress Scale) e observações.
- Ações corretivas: revisão de escalas, programas de apoio psicológico, treinamentos de liderança empática.
- Monitoramento contínuo: reavaliações periódicas e registro de indicadores (absenteísmo, rotatividade, queixas).
📋 Uma gestão de SST moderna precisa atuar também sobre fatores subjetivos, sem perder o rigor técnico.
Fatores agravantes pós-pandemia
A pandemia da COVID-19 acentuou a precariedade emocional de muitos trabalhadores. O trabalho remoto trouxe benefícios, mas também novas formas de adoecimento:
- Isolamento social e perda de vínculos coletivos.
- Excesso de conectividade (o chamado “trabalho infinito”).
- Dificuldade de desconexão ao fim da jornada.
- Aumento da autocobrança e redução de limites entre vida pessoal e profissional.
Essas condições impactam diretamente o desempenho, a produtividade e o clima de segurança dentro das empresas.
💻 Dica para SST: propor políticas de desconexão digital e reforçar pausas reais no home office.
Legislação e jurisprudência: o que já está valendo
Embora ainda não exista uma NR exclusiva para saúde mental, diversos dispositivos já garantem obrigação legal de prevenção:
- CLT, art. 157: cabe ao empregador cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e saúde.
- NR-1, item 1.5.3.1.1: o PGR deve contemplar todos os riscos ocupacionais, incluindo psicossociais.
- NR-17, item 17.3.1: prever medidas para reduzir o impacto da organização do trabalho sobre a saúde dos empregados.
Além disso, a Justiça do Trabalho já tem reconhecido o adoecimento mental por sobrecarga ou assédio como acidente de trabalho, inclusive com indenizações por danos morais.
Boas práticas e programas complementares
Muitas empresas brasileiras e multinacionais estão adotando práticas preventivas com ótimos resultados:
- Programas de Apoio ao Empregado (PAE): assistência psicológica e aconselhamento.
- Semana da Saúde Mental: palestras, oficinas e rodas de conversa.
- Capacitação de líderes: para reconhecer sinais de exaustão emocional.
- Pesquisas de clima e escuta ativa com retorno estruturado.
✔️ Integração com o SESMT é fundamental para criar fluxos de encaminhamento e protocolos de acolhimento.
Tendências futuras: o que os engenheiros e técnicos devem acompanhar
- ISO 45003: norma internacional publicada em 2021, voltada à gestão de riscos psicossociais dentro do SGSSO.
- Adoção de indicadores de saúde mental nos relatórios ESG.
- Digitalização do acompanhamento da saúde mental: apps de rastreio emocional e telepsicologia.
- Intervenções organizacionais baseadas em neurociência: foco em resiliência, atenção plena e inteligência emocional.
…saúde mental é parte integrante da cultura de prevenção
O profissional de SST do século XXI precisa ir além dos EPIs e das ordens de serviço. O novo cenário do trabalho exige empatia técnica, leitura sensível do ambiente organizacional e atuação direta na prevenção do adoecimento emocional.
Se a sua empresa ainda não olha para esse tema com a devida seriedade, talvez esteja na hora de atualizar não só os documentos, mas a cultura.
“Trabalhar com segurança também é trabalhar com saúde mental.”